Quando eu iniciei...
- Essência Astral

- 19 de ago.
- 3 min de leitura

Quando iniciei terapias em 2004, havia somente um punhado de nós.
Éramos poucos, quase todos conhecidos entre si, em Lisboa e arredores.
Carregávamos o rótulo de “estranhos”, os tais que falavam de energia, de alma e de cura.
Poucos nos entendiam… mas havia sempre aquele brilho nos olhos de quem se aproximava, uma curiosidade silenciosa que nos dava força para continuar.
Hoje, ao olhar à volta, vejo como tudo se transformou. Multiplicaram-se os cursos, os terapeutas, os títulos. E quase todos os que chegam às sessões trazem a mesma certeza: “A minha missão é ser terapeuta, tenho necessidade de ajudar outros.”
Mas será que todos viemos com a mesma missão?
O encanto e a fragilidade
Poucos me dizem que o seu propósito é ser artista, escritor, professor, ou mesmo exercer profissões hoje tão necessárias e valorizadas — como pedreiro, eletricista, jardineiro ou empregada de limpezas. Muitos carregam o medo de serem associados à vergonha de serem vistos como ‘pobrezinhos’.
Da mesma forma, mesmo sem condições de ter filhos, raramente alguém assume como missão ser ‘apenas mãe’, como se isso fosse um atentado à inteligência ou à evolução espiritual. No entanto, ser mãe é uma das missões mais sublimes: um ato de amor, de espiritualidade e de abertura do coração.
É justamente no gesto humilde destas profissões, ou na entrega da maternidade, que encontramos a expressão mais autêntica do verdadeiro sagrado.
Um prato preparado com amor pode curar um coração cansado.
Uma rua ou uma casa limpa ao amanhecer é um presente silencioso para todos.
Um professor que acredita num aluno planta nele uma esperança que pode mudar destinos.
Talvez estejamos tão sedentos de nos sentirmos especiais que esquecemos a grandeza da simplicidade.
E é aí que se revela a fragilidade de muitos corações: a ânsia de ter um título espiritual para se sentir digno de existir.
O verdadeiro ato de ajuda
Ser terapeuta é belo. Mas não mais belo do que ser alguém que, através do seu trabalho, seja ele qual for toca vida
com entrega, presença e verdade.
A missão de um terapeuta nasce muitas vezes das próprias feridas.
Só quem caminhou por vales, pedras e quedas com dor pode compreender, com empatia verdadeira, aqueles que chegam em busca de cura.
O sentir não se aprende em livros, nasce da experiência vivida, transformada em sabedoria e em luz partilhada.
Mas é importante lembrar: ajudar o outro de forma genuína não requer títulos, palcos ou certificados.
Requer apenas autenticidade. Porque cada gesto verdadeiro — seja numa sala de terapia, numa cozinha, numa sala de aula ou numa rua — pode ser o mais profundo ato de cura.
O que verdadeiramente toca é o que é autêntico. Está no simples gesto de dizer ‘bom dia’ à menina da caixa do supermercado ou a quem nos serve a bica de manhã. Está no sorrir e agradecer, reconhecendo a amabilidade de quem nos acolhe naquele instante — mesmo sabendo que, muitas vezes, essa pessoa também gostaria de estar noutro lugar, a satisfazer a sua própria alma.
É nesse pequeno gesto de presença e humanidade que se revela a verdadeira espiritualidade.
Uma semente para refletir
O facto de tantos se declararem “terapeutas por missão” não é motivo de crítica, mas de reflexão: revela o quanto nos sentimos perdidos, vazios de sentido, sedentos de pertença.
Talvez o caminho não seja uniformizar missões, mas recordar que cada vida tem o seu brilho único.
E que a espiritualidade maior é, afinal, fazer da nossa vida diária um espaço de serviço, cuidado e amor, seja lá onde for.
Paula Urbano







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